PROCURADORIA GERAL DO ESTADO
PROCURADORIA JURÍDICA
10ª SUBPROCURADORIA (SPPREV)
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA DE FAZENDA
PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL -FAZENDA PÚBLICA:
PROCESSO Nº: 1004055-27.2014.8.26.0053
REQUERENTE: ROBSON DE ALVARENGA
REQUERIDO: ESTADO DE SÃO PAULO E OUTRO
ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de Direito Público e IPESP – Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo, autarquia estadual, vêm, tempestivamente, apresentar sua CONTESTAÇÃO, com fulcro no artigo 300 do Código de Processo Civil, nos termos a seguir expostos.
Inicialmente requer seja anotado o nome deste Procurador do Estado, para que as ulteriores intimações saiam em seu nome, sob pena de nulidade.
BREVE RELATO DA DEMANDA
Pretende o autor, oficial de registro de títulos e documentos e civil de pessoa jurídica, em apertada síntese, seja declarada a inexistência da obrigação dele promover o repasse ao IPESP (gestor da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado) de 13,157894% dos emolumentos recebidos, bem como determinar a restituição do referido valor recolhido nos últimos cinco anos.
Para tanto, alega que referido repasse seria inconstitucional, por se tratar na verdade de tributo não previsto e não permitido pela Carta Magna.
O D. Juízo concedeu a antecipação dos efeitos da tutela autorizando o autor a deixar de proceder o repasse, dispensando-o inclusive de efetuar o depósito judicial mensal dos valores.
Contudo, conforme será melhor demonstrado abaixo, razão alguma assiste ao autor.
ESCLARECIMENTO INICIAL
Inicialmente, para a melhor compreensão da presente ação, bem como para o seu adequado julgamento, deve-se fazer um esclarecimento.
Toda a pretensão do autor funda-se sob a premissa de que o valor repassado ao IPESP– Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo como contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado seria um tributo.
Entretanto, tal premissa está manifestamente equivocada, vez que referido repasse não ostenta a natureza jurídica de tributo.
O que é efetivamente um tributo no presente caso são os emolumentos cobrados dos particulares em razão da prestação de um serviço público notarial.
Aliás, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal (ADI 3694), os emolumentos cobrados dos particulares em razão da prestação de um serviço público por tabelião ostentam a natureza jurídica de taxa, uma das espécies de tributo.
Esclarecido isso, é bem de se notar que o artigo 19, da Lei Estadual nº 11.331/2002, apenas determina qual a destinação do produto da arrecadação dos emolumentos (taxas) arrecadadas pelas serventias extrajudiciais. Confira-se a redação do dispositivo:
“Da Distribuição dos Recursos.
Artigo 19 -Os emolumentos correspondem aos custos dos serviços notariais e de registro na seguinte conformidade:
I -relativamente aos atos de Notas, de Registro de Imóveis, de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas e de Protesto de Títulos e Outros Documentos de Dívidas:
a) 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) são receitas dos notários e registradores;
b) 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) são receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização;
c) 13,157894% (treze inteiros, cento e cinqüenta e sete mil, oitocentos e noventa e quatro centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado;
d) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias; e) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, em decorrência da fiscalização dos serviços;
Note-se que o artigo 19, I, c, da Lei Estadual nº 11.331/2002, ao contrário do quanto arguido pelo autor, não instituiu nenhum tributo novo, mas apenas determinou a destinação de parcela (mais especificamente 13,157894%) do quanto arrecadado pelos emolumentos (esse sim um tributo, da espécie taxa).
Aliás, note-se que todos as alíneas do inciso I, do artigo 19 (desde a alínea a até a alínea e), da referida lei, determinam apenas e tão-somente a destinação de parcelas do quanto arrecadado pelos emolumentos. O próprio nome da seção (“Da Distribuição dos Recursos”) que se inicia com o artigo 19 já indica isso.
Dessa forma, se entendêssemos, como propõe o autor, que a alínea c, do referido dispositivo legal institui na verdade um novo tributo, deveríamos concluir, por consequência lógica, que todas as demais alíneas também o fazem.
Isso levaria a conclusão de que a parcela dos emolumentos destinada aos próprios notários e registradores, inclusive a parcela destinada ao autor (instituída pela alínea a do mesmo dispositivo legal), bem como as parcelas destinadas ao Tribunal de Justiça (instituída pela alínea b do dispositivo legal citado) são também tributos, devendo ser regidas por todas as regras e garantias constitucionais pertinentes.
Ora Excelência, tal raciocínio que conduz a conclusões tão absurdas, por óbvio não pode prosperar. Como já afirmado, o que é na verdade tributo são apenas os emolumentos cobrados do particular em razão dos serviços prestados pelo tabelião.
O que o artigo 19, inciso I, da Lei Estadual nº 11.331/2002, faz é apenas determinar a destinação do produto da
arrecadação dos emolumentos, e não criar novo tributo.
Feito esse esclarecimento inicial e essencial para a melhor compreensão da demanda, passa-se propriamente à defesa da ação proposta.
PRELIMINARMENTE
A) ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM
O autor é carecedor da ação, vez que não é parte legítima para propô-la.
Via de regra, é proibido pleitear, em nome próprio, direito alheio. É o que se extrai da redação do artigo 6º, do Código de Processo Civil, in verbis:
“Art. 6º Ninguém poderá pleiteiar, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.”
Ocorre que, no presente caso, o autor está justamente pleiteando direito que não lhe pertence.
A pretensão do autor refere-se à parcela dos emolumentos que são destinados ao IPESP – Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo como contribuição à Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo.
Contudo, o autor não é contribuinte de referida parcela, mas mero responsável tributário, restando-lhe apenas o dever de repassar o respectivo valor (mas não o dever de contribuir, ou seja, pagar).
O contribuinte dos emolumentos (cuja parcela de 13,157894% é destinada ao IPESP) é o particular que se utiliza dos serviços notariais.
Essa situação é bem delineada pelos artigos 2º e 3º da Lei Estadual nº 11.331/2002:
“Dos Contribuintes e Responsáveis
Artigo 2º -São contribuintes dos emolumentos as pessoas físicas ou jurídicas que se utilizarem dos serviços ou da prática dos atos notariais e de registro.
Artigo 3º -São sujeitos passivos por substituição, no que se refere aos emolumentos, os notários e os registradores.”
De acordo com o quanto estipulado pela Lei, o autor é mero responsável pelo repasse dos valores e não contribuinte.
Assim sendo, o direito pleiteado na presente ação não lhe pertence.
Em verdade, o suposto direito ora almejado pertence exclusivamente aos particulares que se utilizam dos serviços notariais, os quais são de fato os contribuintes dos emolumentos.
Aliás, deve-se notar que o percentual de 13,157894% destinado ao IPESP como contribuição à Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado refere-se ao valor total dos emolumentos arrecadados, os quais são pagos efetivamente pelos particulares que se utilizam dos serviços notariais (e não pelo autor).
Referido percentual não incide sobre o valor destinado ao autor como contraprestação de seu serviço (62,5% dos emolumentos arrecadados) e previsto no artigo 19, I, alínea a, do mesmo diploma legal.
Portanto, o autor não é o titular do direito pretendido na presente ação. Sendo assim, falta-lhe legitimidade
ad causam, acarretando sua carência de ação.
Além disso, importante constatar que, ainda que se reconheça eventual inconstitucionalidade ou ilegalidade no repasse de parcela dos valores arrecadados a título de emolumentos pelos serviços notariais ao IPESP como contribuição à Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado, o que aqui se admite apenas a título de argumentação, referido
valor não seria jamais revertido em favor do autor, o que denota claramente a ilegitimidade ad causam in casu.
O próprio artigo 38, da Lei Estadual nº 11.331/02, já prevê expressamente que, com a extinção da Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado, o valor anteriormente repassado ao IPESP deverá ser deduzido do respectivo valor dos emolumentos (os quais, frise-se novamente, são pagos pelos particulares que se utilizam dos serviços notariais, e não pelo autor).
“Artigo 38 -A contribuição de que tratam a alínea “c” do inciso I e a alínea “b” do inciso II do artigo 19 deixará de incidir a partir da data em que inexistirem contribuintes inscritos ou beneficiários de proventos de aposentadoria ou de pensões na Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado.
Parágrafo único -Na hipótese deste artigo, será efetuada a dedução do respectivo valor dos emolumentos fixados para cada ato.” (g. n.)
Ora Excelência, conforme amplamente demonstrado, o valor ora discutido não pertence e jamais pertencerá ao autor.
Como já afirmado, o autor não é o contribuinte do valor que se discute, mas mero responsável pelo repasse ao IPESP.
Diante de todo o acima exposto, fica evidenciada a ilegitimidade ad causam do autor. Dessa forma, requer seja extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil.
B) ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ESTADO DE SÃO PAULO
Caso não seja reconhecida a ilegitimidade ativa ad causam, o que se admite em razão do Princípio da Eventualidade, deve ser reconhecida a ilegitimidade passiva ad causam do Estado de São Paulo, como será demonstrado.
O autor ajuizou a presente ação em face do Estado de São Paulo e do IPESP -Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo.
Contudo, o Estado de São Paulo é flagrantemente parte ilegítima na demanda.
Conforme já mencionado, a ação versa acerca da constitucionalidade e legalidade do repasse de parcela dos valores arrecadados a título de emolumentos (taxa) pelos serviços notariais ao IPESP como contribuição para a Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado.
Do próprio objeto da ação já se pode observar que não há razão alguma para a inclusão do Estado de São Paulo no polo passivo, vez que ele é totalmente estranho à discussão.
Cumpre esclarecer ainda que é de atribuição do IPESP -Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo, uma autarquia estadual, dotada, portanto, de personalidade jurídica própria,a administração da Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado, de acordo com o quanto
estipulado no artigo 10, inciso II, da Lei Estadual nº 14.016/2010:
Artigo 10 -Constitui objetivo fundamental do Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo IPESP a liquidação das seguintes carteiras:
I -Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo, de que trata a Lei nº 10.394, de 16 de dezembro de 1970, com as alterações da Lei nº 13.549, de 26 de maio de 2009;
II -Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, de que trata a Lei nº 10.393, de 16 de dezembro de 1970, com as alterações desta lei.”
Dessa forma, demonstra-se que os valores ora em discussão são repassados pelo autor em favor do IPESP, o qual tem como atribuição a administração da Carteira de Previdência das Serventias.
Diante disso, não há razão alguma para inclusão do Estado de São Paulo na presente lide. O Estado de São Paulo não possui qualquer relação com a questão posta em juízo.
Portanto, deve ser reconhecida a ilegitimidade passiva ad causam do Estado de São Paulo na presente ação, extinguindo-se o processo com relação a este corréu sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil.
MÉRITO
Ainda que sejam ultrapassadas as preliminares supra arguidas, o que se admite em atenção ao Princípio da Eventualidade, a ação deverá ser julgada totalmente improcedente, vez que nenhuma razão assiste ao autor.
O autor, baseado no artigo 28, da Lei Federal nº 8.935/94, afirma ter direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia.
Ocorre que a Lei Federal nº 8.935/94 veio regular o artigo 236, § 1º, da Constituição Federal, que assim estipulou:
“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.”
Note-se que a Lei Federal nº 8.935/94 em verdade extrapolou o quanto previsto inicialmente no artigo 236, § 1º, da Constituição Federal, ao disciplinar no artigo 28 acerca dos emolumentos (matéria que deveria ser regulada por outra lei federal específica de acordo com o artigo 236, § 2º, da Constituição Federal).
O artigo 236, § 2º, da Constituição Federal, por sua vez, foi regulado pela Lei Federal nº 10.169/2000:
“LEI No 10.169, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2000.
Regula o § 2o do art. 236 da Constituição Federal, mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei.
Parágrafo único. O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados. (…)”
A Lei Federal nº 10.169/2000 atribui aos Estados a
competência para fixação do valor dos emolumentos, ressaltando ainda que o valor fixado deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados.
E foi exatamente com supedâneo nesse dispositivo legal que a Lei Estadual nº 11.331/2002 fixou os emolumentos, bem como a distribuição dos respectivos recursos.
E nada há de inconstitucional ou ilegal nisso. O artigo 28 da Lei Federal nº 8.935/94 ao dispor que os notários e
oficiais de registro têm direito à percepção dos emolumentos integrais, obviamente se referia aos emolumentos destinados aos próprios notários.
A Lei Estadual nº 11.331/2002 determinou no seu artigo 19, inciso I, alínea a, que 62,5% dos emolumentos cobrados dos particulares seriam destinados aos notários e registradores como forma de contraprestação pelo serviço prestado. Esses são os emolumentos devidos aos notários e sobre tais verbas não incidem descontos.
O percentual de 13,157894% destinado ao IPESP como contribuição à Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado, conforme já dito e comprovado, não incide sobre o valor devido aos notários, mas sim sobre a taxa cobrada dos particulares em razão da prestação do serviço notarial.
E o autor sabe muito bem disso. Tanto que a presente ação somente foi dirigida contra o percentual de 13,157894% que é destinado ao IPESP como contribuição à Carteira de Previdência das Serventias, embora a própria Lei Estadual nº 11.331/2002, nas demais alíneas do artigo 19, inciso I, determine outras distribuições dos recursos, as quais não foram objeto de qualquer impugnação pelo autor.
A distribuição dos recursos obtidos pela cobrança dos emolumentos dos particulares é feita da seguinte forma:
a) 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) são receitas dos notários e registradores;
b) 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) são receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização;
c) 13,157894% (treze inteiros, cento e cinqüenta e sete mil, oitocentos e noventa e quatro centésimos de milésimos percentuais) são
contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado;
d) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias; e
e) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, em decorrência da fiscalização dos serviços.
Ora Excelência, se a tese do autor de que o artigo 28, da Lei Federal nº 8.935/94, lhe concede o direito à percepção integral dos emolumentos cobrados dos particulares fosse aceita, todos os repasses estabelecidos nas alíneas b, c, d,e e não teriam validade jurídica.
Tal conclusão é absurda e amplamente rechaçada pela própria jurisprudência.
Aliás, o próprio autor cita o famoso julgado da ADI 3643, do STF, relatado pelo Ministro Carlos Ayres Britto, cujos trechos a seguir transcritos merecem destaque:
“(…) Não é por outro motivo que esta excelsa Corte de Justiça vem admitindo a destinação de parte da arrecadação dos emolumentos ao Poder
Judiciário, conforme se extrai da seguinte passagem do voto proferido pelo Min. Carlos Velloso na ADI 1.145:
´(…) Na ADI 2.059-PR, Relator o Ministro Nelson Jobim, ficou esclarecido que é possível a destinação do produto da arrecadação da taxa para órgão público não estranho aos serviços notariais. Se essa destinação é para o próprio Poder Judiciário, esclareceu o Ministro Moreira Alves, não há dúvida de que é possível, pois não se trata, como ocorre, por exemplo, com a Caixa de Assistência da OAB, de pessoa jurídica de direito privado. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da mencionada ADI 2.059-PR, decidiu pela regularidade da destinação do produto da arrecadação da taxa a órgão público. Naquele caso, ao próprio Poder Judiciário.
(…) Taxa que se institui em função das atividades ínsitas à serventia e que tem como base de cálculo os multicitados emolumentos, com o fito de custear as despesas que o efetivo exercício dessa atividade administrativa de poder de polícia acarreta; pois que, se não se ressarcisse de tais despesas, ele Estado, terminaria por subsidiar o próprio agente delegatário para o desempenho de uma atividade que já é remunerada mediante a cobrança e percepção desses valores que na própria Constituição Federal são chamados de emolumentos” (g. n.)
O julgado acima transcrito do Supremo Tribunal Federal demonstra claramente o quanto aqui defendido. Ao contrário do quanto alegado pelo autor, é sim possível a destinação de parte da arrecadação dos emolumentos para órgão público não estranho aos serviços notariais. Portanto, podemos concluir que são 2 (dois) os requisitos para a legitimidade de repasse de parcela dos emolumentos:
1) que seja destinado a órgão público; e
2) que seja destinado a atividade não estranha aos serviços notariais.
E isso é plenamente constitucional e legal, vez que, nos próprios dizeres do STF, se não se ressarcisse as respectivas despesas do Estado com a atividade notarial, ele Estado, terminaria por subsidiar o próprio agente delegatário para o desempenho de uma atividade que já é remunerada (e muito bem remunerada, diga-se de passagem) mediante a cobrança e percepção dos emolumentos.
É exatamente isso o que o artigo 19, inciso I, da Lei Estadual nº 11.331/02 fez. Ao destinar parte da arrecadação dos emolumentos, todos os critérios supra elencados pelo C. STF foram estritamente observados.
As alíneas b, d,e e do artigo 19, inciso I, da Lei Estadual nº 11.331/02 efetivamente destinam parcela dos emolumentos arrecadados a órgão público justamente para ressarcir o Estado, dos custos que ele tem com a atividade notarial, como pode ser facilmente constatado.
E a alínea c, do referido dispositivo legal, ora discutida, não é diferente.
Com efeito, o artigo 19, I, c, da Lei Estadual nº 11.331/02 determinou o repasse de 13,157894% do valor dos
emolumentos ao IPESP – Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo como contribuição à Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado.
Assim, referido repasse é destinado a órgão público (IPESP, uma autarquia estadual), bem como não é estranha às atividades notariais, pelo contrário é ínsita a esta.
O autor chega a afirmar na exordial que o repasse seria destinado a entidade privada. Porém, isso não é verdade.
O IPESP – Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo, uma autarquia estadual, portanto, pessoa jurídica de
Direito Público, é o ente responsável pela gestão e administração da Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado. Dessa forma, os repasses ora questionados são destinados ao IPESP, um órgão público (entidade autárquica).
Aliás, o autor sabe muito bem disso. Tanto que propôs a presente ação justamente em face do IPESP, não havendo razão alguma para alegar que o repasse era destinado a entidade privada.
Ultrapassado o requisito de destinação a órgão público, cumpre agora demonstrar que a Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado está intrinsicamente ligada à atividade notarial.
Atualmente, as atividades notariais e de registro configuram prestação de serviço de natureza pública delegada a particulares, de acordo com o disposto no artigo 236, da Constituição Federal de 1988.
Entretanto, isso nem sempre foi assim. Até o advento da Lei Federal nº 8.935/94 (que regulamentou o artigo 236, § 1º, da Constituição Federal, conforme já demonstrado), os notários, registradores, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado eram considerados servidores públicos em sentido amplo, estando obrigados (portanto, segurados obrigatórios) ao recolhimento da respectiva contribuição previdenciária ao regime próprio.
A Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo foi criada em 1949, pela Lei Estadual nº 465 (à época, o nome da Carteira era Carteira de Aposentadoria de Servidores de Justiça, o que só comprova que os notários, registradores, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado eram considerados servidores públicos).
Após diversas alterações legislativas, a Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo (já então com essa denominação) foi reorganizada pela Lei Estadual nº 10.393/70, cabendo ao IPESP (à época Instituto de Previdência do Estado de São Paulo) a sua administração, conforme De acordo com o artigo 2º, da Lei Estadual nº 10.393/70, as finalidades da Carteira de Previdência consistem em proporcionar aposentadoria aos seus segurados e conceder pensões aos dependentes dos segurados. Assim, o artigo 4º, do mesmo diploma legal, elenca os segurados obrigatórios da Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado, da seguinte forma:
“Artigo 4º -São segurados obrigatórios da Carteira estejam na atividade ou aposentados, os serventuários, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado, tanto dos cartórios como dos ofícios de Justiça.” (g. n.)
Note-se que esse era na prática o “regime previdenciário” dos notários, registradores, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado vigente à época.
Além disso, todos eles eram segurados obrigatórios da Carteira, não restando, portanto, nenhuma opção no ingresso nesse regime ou não. A contribuição em favor da Carteira, não era uma faculdade dos segurados, mas sim uma obrigação legal.
E tudo isso estava plenamente de acordo com o regime constitucional e legal então vigente, pois, como já afirmado, referidos funcionários eram considerados servidores públicos em sentido amplo.
Esse foi o panorama fático encontrado pela Constituição Federal de 1988 quando de sua promulgação.
A Carta Magna de 1988 mudou substancialmente o panorama então vigente. Porém, não ignorou a situação fática existente.
Não foi por outra razão que o artigo 236, § 1º, da Constituição Federal, determinou que deveria haver lei regulamentadora das modificações implantadas.
E referida lei, conforme já dito, é justamente a Lei Federal nº 8.935/94.
Esse diploma legal, ciente da realidade existente, assegurou expressamente a manutenção dos direitos previdenciários então existentes, conforme se depreende do artigo 40, in verbis:
“Art. 40. Os notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares são vinculados à previdência social, de âmbito federal, e têm assegurada a contagem recíproca de tempo de serviço em sistemas diversos.
Parágrafo único. Ficam assegurados, aos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares os direitos e vantagens previdenciários adquiridos até a data da publicação desta lei.” (g. n.)
Além disso, o artigo 48, do mesmo diploma legal, permitiu a opção pela alteração ou não de seu regime jurídico
previdenciário pelos funcionários da Serventia:
“Art. 48. Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta lei.
§ 1º Ocorrendo opção, o tempo de serviço prestado será integralmente considerado, para todos os efeitos de direito.
§ 2º Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta lei.” (g. n.)
Não bastasse isso, o artigo 51, do mesmo diploma legal, ainda determinou, enfaticamente, a aplicação da legislação anterior aos notários e oficiais de registro que mantivessem as contribuições anteriormente estipuladas:
“Art. 51. Aos atuais notários e oficiais de registro, quando da aposentadoria, fica assegurado o direito de percepção de proventos de acordo com a legislação que anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipuladas até a data do deferimento do pedido ou de sua concessão.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial que vierem a ser contratados em virtude da opção de que trata o art. 48.
§ 2º Os proventos de que trata este artigo serão os fixados pela legislação previdenciária aludida no caput.
§ 3º O disposto neste artigo aplica-se também às pensões deixadas, por morte, pelos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares.” (g. n.)
Ora Excelência, todos os artigos supracitados demonstram claramente a correlação entre as atividades notariais e a Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado.
Como pode se observar, a Carteira é na verdade o regime de previdência dos notários, registradores, escreventes e auxiliares de serventia que ingressaram no serviço notarial antes da edição da Lei 8.935/94. E tal regime de previdência é amplamente respeitado e defendido pela lei (o que nem poderia ser diferente, vez que a previdência social é um direito social de todos, conforme caput do artigo 6º, da Constituição Federal de 1988).
Negar existência a esse regime previdenciário, seria negar o direito de todos os funcionários que efetivamente trabalharam durante diversos anos e contribuíram (como segurados obrigatórios) à Carteira de Previdência.
Aliás, conforme documento ora juntado efetivamente comprova, deve ser ressaltado que aproximadamente 80% (oitenta por cento) das receitas recebidas pela Carteira de Previdência das Serventias advém da parcela de 13,154789% dos emolumentos prevista no artigo 19, inciso I, alínea c, da Lei Estadual nº 11.331/02, ora discutida.
Assim, se não houver o repasse do referido valor, é materialmente impossível efetivar o pagamento de todos os benefícios devidos pela Carteira, os quais, frise-se novamente, são pagos aos funcionários que efetivamente trabalharam durante diversos anos e contribuíram à Carteira de Previdência.
Portanto, isso seria na prática, negar-lhes o direito à previdência social (direito social garantido pelo caput do artigo 6º, da Constituição Federal de 1988).
Todo o histórico da Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado demonstra sua íntima correlação com a atividade notarial, justificando, portanto, o repasse de parcela dos valores arrecadados a título de emolumentos.
Por fim, ressalte-se que a partir da vigência da Lei Federal nº 8.935/94, não foi mais admitido o ingresso na Carteira de Previdência das Serventias Oficiais de Justiça do Estado (art. 48, § 2º).
Dessa forma, embora apenas com a Lei Estadual nº 14.016/2010, tenha se declarado que a Carteira estava em regime de extinção, na prática, ela já estava nesse estado desde a vigência da Lei Federal nº 8.935/94.
Ora, se não é mais permitido o ingresso no regime da Carteira de Previdência das Serventias, fatalmente em certo momento ela será extinta.
E a Lei Estadual nº 11.331/02, ciente disso, já previu que com o fim da Carteira, o valor anteriormente repassado
ao IPESP deverá ser deduzido do respectivo valor dos emolumentos (os quais, frise-se novamente, são pagos pelos particulares que se utilizam dos serviços notariais, e não pelo autor).
Diante disso, fica evidente a constitucionalidade e legalidade no repasse de parcela dos valores arrecadados a título de emolumentos ao IPESP como contribuição à Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas da Justiça do Estado.
Dessa forma, afasta-se toda a argumentação em sentido contrário da parte autora.
REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA
A concessão de tutela antecipada tem como requisitos a verossimilhança das alegações (fumus boni iuris) e o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).
No presente caso, inexiste qualquer um dos requisitos que possibilite a concessão da tutela antecipada, devendo ela, portanto, ser revogada.
Conforme amplamente demonstrado, razão alguma assiste ao autor, sendo sua pretensão completamente infundada, seja sob o ponto de vista legal, seja em razão da firme jurisprudência do STF sobre o tema.
Assim, ausente está o requisito da verossimilhança das alegações (fumus boni iuris).
Quanto ao requisito de fundado receio de dano irreparável (periculum in mora), o autor justifica sua existência no fato de a Carteira estar em regime de extinção.
Apesar de a Carteira de Serventias estar de fato em regime de extinção, ela conta atualmente com cerca de 6.000 (seis mil) beneficiários de aposentadorias e pensões (mais precisamente 6.098 beneficiários na folha de pagamento de março de 2014). Isso sem mencionar os contribuintes da Carteira que ainda se encontram na ativa.
Assim, a Carteira de Previdência das Serventias certamente não será definitivamente extinta antes do término do presente processo. Os estudos do IPESP indicam que a Carteira continuará por pelo menos mais 40 (quarenta) anos.
Portanto, o receio da autor é completamente infundado, não havendo periculum in mora algum no presente caso.
Ausentes os requisitos autorizadores, é de rigor a revogação da tutela antecipada concedida, com a determinação do imediato repasse das parcelas não transferidas ao IPESP durante a vigência da tutela antecipada concedida, o que ora se requer.
Além disso, deve-se frisar que a tutela antecipada extrapolou o quanto pleiteado efetivamente pelo autor.
O artigo 273, do Código de Processo Civil, condiciona a concessão da tutela antecipada ao expresso requerimento da parte.
Na presente ação, o autor requereu a concessão da medida liminar para autorizar o depósito judicial semanal do valor impugnado.
Ocorre que esse D. Juízo, ao conceder a medida pleiteada, extrapolou o quanto requerido pelo autor, dispensando-o do depósito mensal dos valores.
Assim, nota-se que essa parte da decisão é ultra petita, vez que inexiste requerimento do autor para a concessão da tutela antecipada nesses moldes.
Dessa forma, no mínimo a tutela antecipada deferida deve ser retificada para autorizar apenas que o autor faça os depósitos dos valores judicialmente.
REQUERIMENTOS FINAIS
Por fim, em observância ao princípio da eventualidade, cumpre salientar que na remota hipótese de acolhimento do pedido deve-se observar a incidência de correção monetária e juros de mora na forma determinada pelo art. 5º da Lei Federal 11.960, de 29 de junho de 2009 (resultante da conversão da Medida Provisória 457/09), publicada no D.O.U. de 30.06.09 e vigente na data da publicação (cf. artigo 9º do referido diploma legal).
Quanto a honorários, não devem ser arbitrados sobre o valor da condenação, mas com observância do artigo 20, § 4º do Pelo exposto, requer sejam acolhidas as preliminares arquidas, extinguindo-se o processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC.
Quanto ao mérito, requer seja a ação julgada totalmente IMPROCEDENTE, com a condenação do autor nas verbas de sucumbência, honorários advocatícios, custas e despesas processuais.
Protesta pela produção de todos os meios de prova admitidos em direito.
Termos em que,
pede deferimento.
São Paulo, 28 de abril de 2014.
ANDRE RODRIGUES MENK
Procurador do Estado
OAB/SP Nº 334.972