EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL – STF – BRASÍLIA‐DF.

PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL, com representação no Congresso Nacional, registrado no Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução 22.083, de 2005, inscrito no CNPJ sob o n. 06.954.942/0001‐95, com sede em Brasília, no Distrito Federal, no Edifício Ceará, situado no SCS, Quadra 01, Bloco E, salas 1203/1204, 12º andar, neste ato representado, na forma do seu estatuto social (doc.1), por sua Presidente Nacional, Helena Lima de Moraes, brasileira, CPF n. 364.503.164‐20, vem, por seu advogado, qualificado no instrumento de mandato anexo (doc.2), com fundamento no art. 102, I, a, e 103, VIII da Constituição Federal, bem como no art. 2º, VIII, da Lei n. 9.868/99, propor a presente
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR,
cautelar esta cujo fundamento normativo se encontra no art. 102, I, p, da Constituição Federal, no art. 10, da Lei n. 9.868/99 e no art. 5º, X, do RISF, visando à impugnação de toda a Lei n. 14.016, de 12 de abril de 2010, do Estado de São Paulo, que trata da extinção da Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo, em face das inconstitucionalidades formais e materiais nela presentes e que traduzem inafastável ofensa à Constituição de 1988, conforme se especificará ao longo desta petição.
I. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
Nos termos do art. 103, VIII, da Constituição Federal, cumpre referir que o autor é Partido Político que conta com representação no Congresso Nacional.
A legitimação para a propositura de ação direta é universal e independente da pertinência temática e da natureza e origem do ato normativo
questionado1.
Consoante os documentos acostados (Estatuto do Partido, Ata da Eleição da Presidente e procuração com poderes específicos), é regular e estatutária a representação processual.
A presente ação reúne todos os elementos processuais de admissibilidade, estando apta a ter seu regular processamento e julgamento.
II. BREVE RELATO DAS CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS EM TORNO DO OBJETO NORMATIVO ORA IMPUGNADO
O Estado de São Paulo promulgou, em 12 de abril de 2010, a Lei n. 14.016 (texto in verbis anexado – doc. 5). Seu escopo específico foi o de declarar extinta a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, a qual compreendia, desde a Lei estadual n. 9.858/1967, os fundos da Carteira de Aposentadoria de Servidores da Justiça, responsável por lastrear financeiramente os benefícios previdenciários dos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares das denominadas serventias extrajudiciais não oficializadas do Estado de São Paulo, e que totalizam, atualmente, cerca de 10.000 (dez mil) beneficiários, vinculados exclusivamente ao regime previdenciário especial, estabelecido pela Lei Estadual n. 10.393/70.
A Lei Paulista em comento promoveu uma grave desconstituição do status jurídico-constitucional da Carteira ora citada. A partir dessa mudança, a Carteira em apreço foi acoimada como Carteira das Serventias Notariais e de Registro – Carteira das Serventias, a qual, ao contrário de sua antecessora, passou a figurar totalmente à margem do regime de direito previdenciário, sujeitando-se a um incomum e inusitado regime financeiro de capitalização. Nos termos da Lei Paulista recém-promulgada, em seu art. 4º:
“Art. 4º. A Carteira das Serventias adotará o regime financeiro de capitalização e será administrada pela entidade de que trata o art. 10 desta lei, na qualidade de seu liquidante, sendo vedado o resgate antecipado de quaisquer valores de contribuições, salvo na forma dos benefícios previstos nesta lei.” (ênfase acrescentada).
No que se refere à entidade gestora da Carteira ora sujeita ao estranho regime de capitalização, tem-se o novel Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo, mantendo-se, pois a sigla do IPESP. Este “novo” IPESP passa a ser sucessor do antigo Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, que se encontra em regime de extinção desde a promulgação, em 01º de junho de 2007, da Lei Complementar n. 1.010 do Estado de São Paulo, a qual criou a São Paulo Previdência – SPPREV, entidade gestora única do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos titulares de cargos efetivos e do Regime Próprio de Previdência dos Militares do Estado de São Paulo.
Nada obstante o fato de o IPESP figurar como entidade autárquica do Estado de São Paulo, e ter como Superintendente, cuja responsabilidade compreende a gestão dos fundos e, inclusive, a definição da política de aplicação dos recursos financeiros da Carteira, empregado público nomeado pelo Governador do Estado de São Paulo, a Lei paulista em apreço desvincula o Poder Público Estadual de qualquer responsabilidade financeira pela Carteira e pelos seus passivos financeiros, mesmo aqueles oriundos da gestão promovida pelo antigo Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – IPESP, sob o regime da Lei Estadual n. 10.393/70, a qual reconhecia claramente a natureza previdenciária da Carteira das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado. Nesse sentido, dada a ausência de responsabilidade estatal, ainda que parcial, pela saúde financeira da Carteira, mesmo havendo total prevalência administrativa e gerencial do Estado sobre esta, torna-se plenamente possível que segurados que tenham contribuído por toda a vida para a anterior Carteira das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado possam ter seus benefícios negados ou prejudicados pela insuficiência de fundos ou desequilíbrio atuarial da Carteira sucessora, apesar de ser a Lei a única responsável pelo possível desequilíbrio a surgir.
Esta é a inteligência que se pode depreender do art. 17, VII, da Lei n. 14.016/10 e da redação que atribuiu ao art. 51, parágrafo único, da Lei n. 10.393/70:
“Art. 17 – Compete ao Superintendente do IPESP, além das atribuições inerentes ao cargo e previstas em normas vigentes: (…)
“VII – suspender a aplicação de novos reajustes aos benefícios já concedidos, assim como a concessão de novos benefícios, na forma dos artigos 12 e 51 da Lei n. 10.393, de 16 de dezembro de 1970, com a redação dada por esta lei;”.
“Art. 51 – (…)
“Parágrafo único – Sempre que, em decorrência do cálculo atuarial anual, ficar demonstrada a necessidade de reajuste das fontes de receita da Carteira, o Superintendente do IPESP deverá proceder conforme previsto no artigo 69 desta lei, sem prejuízo da suspensão imediata da aplicação de novos reajustes aos benefícios concedidos, de que trata o artigo 12 desta lei, bem como da concessão de novos benefícios.” (ênfase acrescentada).
A implementação da referida legislação estadual, em sua integralidade, sem embargo, fere de morte algumas normas formais e materiais da Constituição de 1988, conforme se verá a seguir.
III. INCONSTITUCIONALIDADES DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
A Lei n. 14.016/2010 contraria tanto o procedimento legislativo estabelecido pela Constituição de 1988, como dispositivos materiais desta mesma. Nos termos do parecer da lavra do ilustre Prof. André Ramos Tavares, o afã estadual de desincompatibilizar-se das obrigações previdenciárias em relação aos serventuários, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas da Justiça do Estado, resultou em “efetivo calvário de inconstitucionalidades” (Parecer, §§200 e 201).
III.1. Inconstitucionalidades formais
Pedagogicamente, três são as inconstitucionalidades formais perpetradas pela Lei n. 14.016/10, do Estado de São Paulo: i) desrespeito à competência privativa da União para legislar sobre registro público e a organização deste serviço, nos termos do art. 22, XXV, e 236, §1º, da Constituição Federal; ii) desrespeito à competência privativa da União para legislar sobre matéria securitícias e sistema de sorteios, segundo o art. 22, VII e XX, da Constituição de 1988; iii) contrariedade à competência exclusiva da União para criar a espécie tributária denominada como contribuição, em vista do art. 149, da Constituição do Brasil.
A. Desrespeito ao art. 22, XXV, e 236, §1º, da Constituição
Os beneficiários da vetusta Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado são aqueles aposentados e pensionistas, bem como serventuários, escreventes ou auxiliares ainda em atividade que desempenharam ou desempenham, no âmbito do Estado de São Paulo, o denominado serviço notarial e de registro, disciplinado pelo art. 236, da Constituição Federal de 1988.
Este dispositivo, ademais de disciplinar, em seu caput, a natureza jurídica híbrida ou diferenciada da atividade notarial e de registro, nos exatos termos do parecer já mencionado anteriormente, fixa o procedimento legislativo a ser trilhado pelos atos normativos que se avocarem do dever de regulamentar tal atividade:
“§1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário” (ênfase acrescentada).
A legislação responsável por essa tarefa é necessariamente federal, conforme depreende-se do art. 22, XXV, da Constituição Federal de 1988, que atribui a matéria de registros públicos à competência legislativa privativa da União. André Ramos Tavares, em seu substancioso estudo jurídico sobre a matéria, resumiu, didaticamente, o escopo do art. 236, §1º, da Constituição Federal, em termos de competência legislativa:
“A lei exigida nessa norma constitucional é a legislação ordinária federal, nos termos do art. 22, XXV, que preceitua a competência privativa da União para legislar sobre registros públicos. Assim sendo, mencionado preceito é regulamentado por duas leis privativas da União: a Lei n. 6.015/73 e Lei n. 8.935/946. Enquanto a primeira fixa-se como responsável por definir os serviços concernentes ao registro público (as espécies de registro, por exemplo), a Lei n.
5 O STF, na ADI 3.151/MT, Relator Ministro Carlos Britto, deliberando acerca do regime jurídico das serventias extrajudiciais, fixou que são elas “atividades jurídicas próprias do Estado, e não simplesmente de atividades materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação.” Em decorrência desta e d’outras características, declarou inconstitucional dispositivo de lei estadual de Mato Grosso que dispunha sobre direitos e obrigações dos serventuários. Resolveu o STF que havia invasão na competência legislativa: “V – Competência legislativa e registros públicos: o § 1º do art. 2º do diploma legislativo em estudo cria um requisito de validade dos atos de criação, preservação, modificação e extinção de direito e obrigações. Imiscuindo-se, ipso facto, na competência legislativa que a Carta Federal outorgou à União (CF inciso XXV art. 22).” Igualmente na MC na ADI 1.551, Rel. Nelson Jobim, ADI 1298, Rel. Min. Celso de Mello e ADI 1378, Rel. Min. Celso de Mello.
6 Nesse preciso sentido, vide o magistério de Walter Ceneviva: “A Lei n. 8.935/94, que é neste livro referida muitas vezes como Lei dos Notários e dos Registradores ou LNR, foi editada pela União no exercício de sua competência constitucional para legislar privativamente sobre registros públicos (art. 22, XXV), aí englobados, genericamente, os serviços de tabelionatos e registros.” (op. cit., p. 19).
8.935/94 estabelece as normas que organizarão o desempenho da atividade e sua estruturação administrativa – daí denominar-se como Lei Orgânica.” (Parecer, §158).
Competiu, nesse sentido, à Lei Federal n. 8.935/94, Lei Orgânica dos Notários e Registradores, a tarefa de disciplinar a atividade notarial e de registros, estabelecendo suas diretrizes organizacionais, que deveriam e ainda devem ser mimetizadas em todas as esferas da federação, na medida em que estas organizarem as serventias extrajudiciais atuantes em seus respectivos territórios.
A existência de uma legislação única, centralizadora, faz-se imperiosa, frise-se, dada a inovação perpetrada pela Constituição Federal de 1988, a qual atribuiu caráter privado aos serviços notariais e de registro, nada obstante a função pública desta atividade.
Muito embora, conforme bem pondera o Prof. André Ramos Tavares, o regime híbrido constitucionalmente deferido ao setor em vista tenha visado a atenuar “a mercantilização excessiva da atividade notarial e de registros, evitando a sua configuração em atividade econômica em sentido estrito”, ao mesmo tempo em que incentivava sua “autonomia e independência perante o Poder Público, com vistas a melhorar a sua eficiência e desempenho, sem prejuízo do interesse público”, é certo que o resultado produzido tenha sido o de “um regime jurídico diferenciado, [localizado em] uma verdadeira ante-sala situada entre o regime de direito público e privado, cujas portas encontram-se dubiamente entreabertas para ambos”.
Nesse sentido, o papel desempenhado pela Lei Federal n. 8.935/94 foi o de minimizar as celeumas e dúvidas decorrentes do regime híbrido do serviço notarial e de registros, estabelecendo um parâmetro comum a ser seguido pelos demais entes federativos.
É desta maneira que há de se conceber o art. 51 da Lei Federal n. 8.935/94, referente ao regime jurídico previdenciário a ser aplicado àqueles serventuários, escreventes e auxiliares já em gozo de suas vantagens previdenciárias ou que estavam em atividade quando da promulgação da Constituição de 1988 e, principalmente, da Lei n. 8.935/94, e que se submetiam a um regime jurídico totalmente diverso do que veio a ser implementado pela nova Carta Constitucional.
Quanto a estes últimos, o art. 51 da Lei Orgânica – Nacional – dos Notários e Registradores, verdadeira regra de transição entre o regime jurídico estabelecido previamente à Constituição Cidadã e o por esta fixado, determinou o seguinte:
“Art. 51. Aos atuais notários e oficiais de registro, quando da aposentadoria, fica assegurado o direito de percepção de proventos de acordo com a legislação que anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipuladas até a data do deferimento do pedido ou de sua concessão.
“§ 1º. O disposto neste artigo aplica-se aos escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial que vierem a ser contratados em virtude da opção de que trata o art. 48.
§ 2º. Os proventos de que trata este artigo serão os fixados pela legislação previdenciária aludida no caput.
“§ 3º. O disposto neste artigo aplica-se também às pensões deixadas, por morte, pelos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares” (ênfase acrescentada).
Traduzindo os termos da legislação federal para a realidade do Estado de São Paulo, impôs a referida disposição normativa de incidência nacional que aos serventuários, escreventes e auxiliares das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, efetivos segurados obrigatórios da referida Carteira, assegurava-se o direito de manter sua sujeição ao regime previdenciário pretérito, mais precisamente ao regime previdenciário fixado pela Lei n. 10.393/70, do Estado de São Paulo.
9 Nos termos do art. 4º da Lei Estadual:
“Art. 4º. São segurados obrigatórios da Carteira estejam na atividade ou aposentados, os serventuários, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado, tanto dos cartórios como dos ofícios de Justiça.”.
A Lei n. 10.393/70, em sua redação original, expressamente, lhes garantia, uma vez mantidas as suas contribuições respectivas, a percepção de proventos de aposentadoria, pelos segurados, e o recebimento de pensão, pelos seus dependentes (cf. art. 2º):
“Art. 2º São finalidades da Carteira:
“I – proporcionar aposentadoria aos seus segurados;
“II – conceder pensão aos dependentes dos segurados.”
Assim, quando a Lei n. 14.016/10, do Estado de São Paulo, extinguiu a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, cujos destinatários eram única e exclusivamente os serventuários, escreventes e auxiliares a que se refere o dispositivo da legislação federal (art. 51, da Lei n. 8.935/94), mencionada legislação contrariou o conteúdo desta lei e, por conseguinte, a regra competencial prevista nos artigos 236, §1º, e 22, XXV, da Constituição Federal de 1988. Posto que desconsiderou por completo o conteúdo do art. 51, da Lei n. 8.935/94, e a regra de transição nele prescrita, que contavam com chancela constitucional, promoveu a Lei estadual inovação em seara que não lhe é afeita e que maculou indelevelmente a sua validade.
Importante destacar que a alteração promovida pela Lei paulista não se restringe ao âmbito terminológico. A mudança para o regime financeiro de capitalização, bem como a transformação do termo “segurado” e “aposentadoria” ou “proventos de aposentadoria”, por, respectivamente, “participantes” e “benefícios de renda continuada”, visaram a eliminar o regime previdenciário dantes em vigor. Ilustrativamente, traz-se à colação as pesadas alterações promovidas pela Lei n. 14.016/10, em relação à redação original da Lei n. 10.393/70:
Legislação/ Redação Artigo 2º Artigo 3º Lei n. 10.393/70 “Art. 2º São finalidades da Carteira:
“I – proporcionar
“Art. 3º. São beneficiários da Carteira:
“I – para a percepção de aposentadoria aos seus segurados;
“II – conceder pensão aos dependentes dos segurados.”proventos de aposentadoria, o segurado;
“II – para o recebimento de pensão, os dependentes do segurado;”
Lei n. 14.016/10 “Art. 2º. São finalidades da Carteira:
“I – proporcionar benefícios de renda continuada a seus participantes;
“II – conceder pensão aos dependentes dos participantes;
“Art. 3º. São beneficiários da Carteira:
“I – para a percepção de benefícios de renda continuada, o participante;
“II – para o recebimento de pensão, os dependentes dos participantes;”.
A verdadeira natureza da alteração, porém, se revela na irresponsabilidade estadual, plasmada no caput e §§ 1º e 3º, do artigo 3º da Lei n. 14.016/10:
“Art. 3º – É vedada a inclusão na lei orçamentária anual, bem como em suas alterações, de qualquer recurso do Estado para pagamento de benefícios e pensões de responsabilidade da Carteira das Serventias.
“§1º – Em nenhuma hipótese o Estado, incluindo as entidades da administração indireta, responde, direta ou indiretamente, pelo pagamento dos benefícios já concedidos ou que venham a ser concedidos no âmbito da Carteira das Serventias, tampouco por qualquer indenização a seus participantes ou por insuficiência patrimonial passada, presente ou futura.
“§3º – Os precatórios judiciais relativos à Carteira das Serventias pendentes na data da publicação desta lei, ou que venham a ser expedidos, serão pagos com recursos da Carteira” (ênfase acrescentada).
Em outras palavras, é neste dispositivo que o verdadeiro propósito da Lei Estadual se revela a seu leitor e aos seus destinatários finais: subverter o regime previdenciário da antiga Carteira Previdenciária das Serventias, destruindo-o. Afinal, irresponsabilidade estatal em termos de obrigações previdenciárias apresenta-se como variável integralmente estranha ao regime previdenciário constitucionalmente imposto, conforme bem revelam os termos dos artigos 1º, II, e 2º, §1º, da Lei Federal n. 9.717, responsável por estabelecer as diretrizes normativas que guiarão os regimes próprios de previdência social, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
“Art. 1º. Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal deverão ser organizados, baseados em normas gerais de contabilidade e atuária, de modo a garantir o seu equilíbrio financeiro e atuarial, observados os seguintes critérios: (…)
“II – financiamento mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das contribuições do pessoal civil e militar, ativo, inativo e dos pensionistas, para os seus respectivos regimes; (…)
“art. 2º. A contribuição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, aos regimes próprios de previdência social a que estejam vinculados seus servidores não poderá ser inferior ao valor da contribuição do servidor ativo, nem superior ao dobro desta contribuição.
“§1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras do respectivo regime próprio, decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários” (ênfase acrescentada).
Sinteticamente, a Lei Paulista n. 14.016/10, ao eliminar a Carteira Previdenciária direcionada àqueles serventuários, escreventes e auxiliares referidos pela Lei Federal n. 8.935/94, contraria os art. 51 desta Lei e, concomitantemente, o regramento competencial estabelecido pela Constituição Federal de 1988, em seus artigos 22, XXV, e 236, §1º, os quais atribuíram à Lei Federal a tarefa de disciplinar os serviços notariais e registradores, bem como as suas diretrizes organizacionais.
Há que se ressaltar que a íntegra da Lei Estadual incide em inconstitucionalidade formal, afrontando os termos dos artigos 22, XXV, e 236, §1º, da Constituição do Brasil, eis que a contrariedade ao artigo 51, da Lei Federal n. 8.935/94, não é, forçosamente, dano meramente colateral. Conforme bem revela a redação que atribuiu ao art. 4º, da Lei Estadual n. 10.393/70, a Lei n. 14.016/10 tem como destinatários exclusivos os serventuários referidos pelo art. 51 da Lei Orgânica dos Notários e Registradores:
“Art. 4º – São participantes da Carteira aqueles que fizeram opção de permanência em decorrência do disposto na Lei Federal n. 8.935, de 18 de novembro de 1994” (ênfase acrescentada).
Assim, se a Lei estadual está impossibilitada, pela Lei federal, de dispor sobre os serventuários, escreventes e auxiliares das serventias extrajudiciais que se submeteram ao regime previdenciário pretérito e se são estes os sujeitos alvejados pela Lei n. 14.016/10, esta, então, não apresenta qualquer condição de subsistir no ordenamento jurídico.
B. Desrespeito ao art. 22, VII, e XX, da Constituição
Ademais desta mácula formal, outra acomete a Lei paulista n. 14.016/10. Esta Lei, ao impor à Carteira das Serventias Notariais e de Registro regime financeiro de capitalização, em seu art. 4º, afrontou outra norma da Constituição Federal referente ao rateio de competências legislativas, mais precisamente o artigo 22, incisos VII e XX. Ambos atribuem à União a competência privativa para legislar sobre:
“VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;
(…)
“XX – sistemas de consórcios e sorteios”.
A estreita relação entre a matéria compreendida pelo art. 4º da Lei Estadual n. 14.016/10 e ambas as normativas constitucionais justifica‐se pela natureza jurídica do sistema de capitalização. Conforme explicita André Ramos Tavares, “[a] capitalização consiste em modalidade securitária, na qual o considerado subscritor realiza aplicações periódicas, as quais constituirão um capital que será, posteriormente, pago em moeda corrente, podendo, ainda, serem instituídos sorteios com a entrega de prêmios”
(Parecer, §171).
Em outras palavras, o sistema de capitalização encontra-se sujeito a dois universos, ao de política de seguros e ao sistema de consórcios e sorteios, sendo certo que ambos são atraídos pela competência legislativa federal.
A veracidade desta conclusão encontra sustentação no Decreto-Lei n. 261, de 28 de fevereiro de 1967, recepcionado pela Constituição de 1988.
Citado ato normativo classifica o sistema de capitalização como parte integrante do Sistema Nacional de Seguros, regulamentado e fiscalizado por duas autarquias federais, respectivamente o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Conforme explica André Ramos Tavares, a natureza nacional das operações de capitalização, sublinhada pelo art. 1º, parágrafo único, do DL n. 261/1967, condiciona todo e qualquer plano de capitalização à aprovação do Governo Federal.
Contudo, referida autorização, segundo regulamentação emanada do CNSP, a saber, a Resolução n. 15/91, não poderá ser concedida a “sociedade de capitalização controlada, direta ou indiretamente, por pessoa jurídica de Direito Público”.
Em outras palavras, o IPESP não está e nunca estaria autorizado a operar sistema de capitalização.
Assim sendo, o regime financeiro de capitalização previsto pela Lei n. 14.016/10 encontra-se completamente à margem da legislação federal sobre o tema, implicando não apenas inovação normativa contrária a esta, como também intromissão censurável ao âmbito competencial reservado pela Constituição Federal de 1988 à União Federal.
Por fim, como visto, dispondo a lei estadual sobre espécie de sorteio, faz incidir o mandamento da Súmula Vinculante nº 2 do STF, segundo a qual: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.” bingos e loterias, o teor da regra vinculativa é ampla e abrangente e, como não poderia deixar de ser, abarca todas as modalidades de sorteio, “inclusive os bingos e loterias”. A reforçar a tese da inconstitucionalidade, a existência da Súmula Vinculante nº 2 determina a vinculação dos “demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”, relativamente à inconstitucionalidade da lei vergastada, que dispôs sobre matéria que não lhe competia.
C. Contribuições e a competência privativa da União, constante do art. 149, da Constituição
Ainda que a Lei estadual n. 14.016/10 queira, a todo custo e de maneira desastrada, descaracterizar a natureza previdenciária da Carteira das Serventias (estando claros os seus propósitos: desonerar-se das obrigações previdenciárias, embora relute em abandonar a gestão operacional e administrativa dos fundos por ela compreendidos), os elementos que caracterizam a Carteira como previdenciária ali se encontram (salvo, uma vez mais e por motivos óbvios, a responsabilidade financeira pelo seu equilíbrio atuarial). É o caso das contribuições necessárias ao custeio parcial dos benefícios previdenciários, a que faz referência o art. 1º, II, da Lei federal n. 9.717/98:
“Art. 1º. Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal deverão ser organizados, baseados em normas gerais de contabilidade e atuária, de modo a garantir o seu equilíbrio financeiro e atuarial, observados os seguintes critérios: (…)
“II – financiamento mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das contribuições do pessoal civil e militar, ativo, inativo e dos pensionistas, para os seus respectivos regimes;” (ênfase acrescentada).
Em decorrência disso, preceituava já a Lei n. 10.393/70, do Estado de São Paulo, em seu art. 43, que a receita era constituída, dentre as fontes, pela contribuição mensal do segurado, em atividade ou não, e da contribuição a cargo de titulares das serventias. A Lei n. 14.016/10 em nada fugiu desta “tradição”, conforme se percebe da leitura da redação recém‐atribuída àquela Lei por esta última:
“Artigo 43 – A receita da Carteira é constituída:
“I – da contribuição mensal dos participantes de que trata o artigo 4º desta lei;
“II – da contribuição mensal dos titulares de Serventia não Oficializada da Justiça do Estado; (…)”.
Citadas contribuições, frise‐se, são obrigatórias, cessando apenas pelo advento da morte do “participante” ou de seu desligamento do serviço cartorário (cf. art. 47, da Lei n. 10.393/70, em sua redação atribuída pela Lei n. 14.016/10, do Estado de São Paulo).
O Estado de São Paulo, porém, deseja rejeitar a natureza previdenciária da Carteira das Serventias – a qual se sujeita a um regime financeiro de capitalização – e, por conseguinte, das contribuições supra referidas. Mas, conforme bem precisa André Ramos Tavares, se “não são contribuições previdenciárias, como quer fazer crer o Estado de São Paulo, para desincumbir-se de seu ônus previdenciário, então as contribuições arroladas no art. 45, da Lei Estadual n. 10.393/70, na nova redação atribuída pela Lei n. 14.016/10, afrontam o art. 149, da CB”.
É que nos termos do art. 149, da Constituição Federal de 1988:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesses das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, §6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”
11 Curiosamente, a Lei n. 14.016/10 aumentou o valor das contribuições dantes previstas, de 8% sobre a remuneração dos segurados, para 11%, percentual este idêntico ao adotado pelo regime próprio de previdência da União, nos termos do art. 4º da Lei n. 10.887/04. Há que se destacar que a Constituição do Brasil impõe aos Estados, Distrito Federal e Municípios que instituírem suas próprias contribuições para custeio da previdência social que adotem alíquota que “não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União” (cf. Art. 149, §1º, da CB).
12 Parecer, §181.
“§1º. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União” (ênfase acrescentada).
Ora, se não se trata de contribuição previdenciária, então a contribuição arrolada pela Lei n. 10.393/70, nos termos da descaracterização jurídica
promovida pela Lei n. 14.016/10, contraria o art. 149, da Constituição Federal e seu regime de exceção único aos Estados‐membros, em termos de contribuições.
Resumidamente, portanto, a Lei n. 14.016/10, do Estado de São Paulo, operacionaliza três vícios de inconstitucionalidade formal: i) contrariedade ao art. 22, XXV e art. 236, §1º, da Constituição Federal, referente aos registros públicos; ii) afronta ao art. 22, VII e XX, da Constituição de 1988, concernentes à competência privativa da União em termos de seguros e sorteios, temas afeitos à matéria de capitalização; e iii) invasão à competência tributária da União encerrada no art. 149, da Constituição brasileira.
III.2. Inconstitucionalidades Materiais
Embora os vícios formais acima referidos já sejam suficientes, nas palavras de André Ramos Tavares, “para extirpar a Lei n. 14.016/10, do Estado de São Paulo, do ordenamento jurídico”13, a Lei Paulista comete outros gravíssimos equívocos constitucionais, agora de natureza material. Tais são de duas ordens: i) desrespeito ao direito à seguridade social e à previdência social e; ii) afronta ao direito adquirido dos já aposentados.
A. Desproteção previdenciária e contrariedade aos artigos 194 e 201, da Constituição Federal
A Lei estadual n. 14.016/10, mais precisamente em exposição de motivos que acompanhava o seu originário projeto de lei, de número 1322/2009, faz referência expressa ao número de beneficiários da vetusta Carteira das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, que compreende um universo de dez mil pessoas, dentre aposentados, pensionistas e serventuários, escreventes e auxiliares ainda em atividade, os quais estão, pós-Lei n. 14.016/10, sujeitos ao regime por ela estabelecido.
Segundo descrito nesta petição, e de maneira mais substanciosa e detida, no parecer da lavra de André Ramos Tavares, a Lei paulista, ao extinguir a Carteira das Serventias não Oficializadas, substituindo‐a por uma nominada Carteira das Serventias, descaracteriza o regime previdenciário então em vigência, criando de um raro e inconstitucional regime financeiro de capitalização.
Referido sistema de capitalização permite que haja, uma vez identificado um desequilíbrio atuarial, a suspensão de reajustes aos benefícios percebidos pelos já aposentados ou, pior, da concessão de benefícios aos que almejam se aposentar.
Remete, assim, esse universo de dez mil beneficiários a um “verdadeiro limbo previdenciário, totalmente alheio e imune ao regime constitucional da seguridade social e aos benefícios dele decorrentes” (cf. André Ramos Tavares, Parecer,
§183).
Topicamente, figuram como os principais responsáveis por alocar o beneficiário em gólgota imune ao manto protetivo da previdência social o art. 17, VII, da Lei paulista n. 14.016/10, e a redação que esta legislação atribuiu ao art. 51, parágrafo único, da Lei estadual n. 10.393/70:
“Art. 17. Compete ao Superintendente do IPESP, além das atribuições inerentes ao cargo e previstas em normas vigentes:
“VII – suspender a aplicação de novos reajustes aos benefícios já concedidos, assim como a concessão de novos benefícios, enquanto não for demonstrado o equilíbrio atuarial da Carteira das Serventias, na forma dos artigos 12 a 51 da Lei n. 10.393, de 16 de dezembro de 1970.
“Art. 51 (…)
“Parágrafo único – Sempre que, em decorrência do cálculo atuarial anual, ficar demonstrada a necessidade de reajuste das fontes de receita da Carteira, o Superintendente do IPESP deverá proceder conforme previsto no artigo 69 desta lei, sem prejuízo da suspensão imediata da aplicação de novos reajustes aos benefícios já concedidos, de que trata o artigo 12 desta lei, bem como da
concessão de novos benefícios” (ênfase acrescentada).
Contudo, a Legislação paulista, ao permitir tais situações de suspensão de reajuste e, especialmente, de concessão de benefícios esdruxulamente
denominados como de renda continuada àqueles que preencherem os requisitos para o seu gozo14, sujeita este universo de dez mil beneficiários a verdadeiro desabrigo previdenciário ou, nos termos empregados pelo Prof. André Ramos Tavares, a um “rebordo previdenciário”15, que contraria claramente o conteúdo dos artigos 194 e 201, da Constituição Federal.
Os preceitos constitucionais em comento, mais precisamente o art. 194, parágrafo único, I, e art. 201, I, estão assim redigidos:
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
“Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da Lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
“I – universalidade da cobertura e do atendimento;
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
14 A saber, (i) o complemento da idade mínima de 70 anos e de 20 anos de contribuição; (ii) de 35 anos de efetivo exercício das funções, se homem, ou de 30 anos, se mulher, acompanhados de 20 anos anos de contribuição; (iii) de 35 anos de contribuição, independente da idade e do tempo de exercício da contribuição; (iv) invalidez para o exercício da profissão; (v) licença para tratamento de saúde, nos termos do art. 20, da Lei n. 10.393/70, de acordo com a redação dada pela Lei n. 14.016/70.
15 Parecer, §193.
“I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade
avançada”.
Fundamenta‐se. Nos termos do art. 205, referente ao Regime Geral de Previdência Social, veda‐se a filiação a tal regime daqueles que figuravam como participantes do regime próprio de previdência. Esta é a inteligência de seu §5º:
“§5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência.”
Como a Lei n. 10.393/70, do Estado de São Paulo, conforme bem narra André Ramos Tavares, “sempre determinou – isto é, até o advento da malsinada Lei n. 14.016/10 – a filiação obrigatória dos serventuários, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas como segurados obrigatórios16, os quais deveriam contribuir mensalmente com percentual sobre sua remuneração base, obrigação esta que somente cessava pela sua morte ou pela exclusão do serviço de cartório (hipótese pela qual deixava de fazer jus ao regime previdenciário específico)”17, restaram os seus contribuintes impossibilitados de integrar o regime geral de previdência social.
É bem verdade, porém, que tal circunstância não prejudicava este universo de contribuintes, dado o manto protetivo previdenciário que lhes era estendido pelo regime previsto na Lei n. 10.393/70, do Estado de São Paulo.
Isto, porém, até a publicação, em 12 de abril de 2010, da Lei paulista n. 14.016/10. Afinal, esta extinguiu a natureza previdenciária da Carteira das Serventias, e sujeitou os cerca de dez mil serventuários, escreventes e auxiliares ou seus respectivos pensionistas a circunstâncias em que o usufruto dos benefícios “dantes previdenciários” estará ameaçado, ameaça esta que, segundo bem precisa André Ramos Tavares, poderá ser duradoura, dada a irresponsabilidade estadual quanto à manutenção da 16 Eis sua redação original:
“Art. 4º São segurados obrigatórios da Carteira, estejam na atividade ou aposentados, os serventuários, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas do Estado, tanto dos cartórios como dos ofícios de Justiça.”
17 Parecer, §187.
Carteira e, inclusive, frise‐se, com espanto, em relação a passivos passados, quando os benefícios eram induvidosamente previdenciários e geridos exclusivamente pelo Estado:
“Como a Lei Estadual desvinculou, ainda, o Estado de qualquer responsabilidade pela subvenção da Carteira e, inclusive, por precatórios judiciais expedidos no passado, quando o Estado, efetivamente em todas cartas normativas, figurava como gestor da carteira previdenciária prevista pela redação original da Lei n.
10.393/70, abriu-se margem para a possibilidade de que a insuficiência de fundos, bem como a suspensão de concessão dos benefícios previstos em lei, sejam duradouras e até mesmo incontornáveis.” (Parecer, §191).
As conseqüências são claras: mesmo que o beneficiário, ora participante, tenha cumprido com o caráter contributivo obrigatório que permeia o regime previdenciário constitucional, recolhendo, mensalmente, o montante referente à contribuição incidente sobre a sua remuneração base, o então segurado, ainda assim, poderá deparar‐se com situação de todo teratológica, proibido de usufruir de seus benefícios, dada a insuficiência de recursos para suportá‐los, ocasionada por uma deficiente gestão para a qual não deu causa, bem como de participar do regime geral de previdência social, em razão de ter integrado, por toda a sua vida, de regime previdenciário próprio, ora inconstitucionalmente extinto.
Em outras palavras, figura este contribuinte, assim como os demais dez mil serventuários, escreventes e auxiliares, ou seus pensionistas, aposentados ou não, alheio ao alcance de um regime previdenciário constitucional que necessariamente haveria de ser universal, principalmente para aquele que cumpriu com o caráter contributivo constitucionalmente exigido.
A Lei n. 14.016/10, do Estado de São Paulo, ao sujeitar este universo de beneficiários a tal circunstância, finda por incidir em inafastável afronta aos artigos 194 e 201, da Constituição Federal, retirando‐lhe “o mínimo de sua cidadania (o direito a ter direitos em sua acepção mais básica e fundamental à existência humana, que é o amparo nas situações de dificuldade e dependência em virtude da idade)”18.
B. Desrespeito ao direito adquirido dos já aposentados
Encerrando esta verdadeira maratona de inconstitucionalidades, tem‐se a contrariedade da Lei n. 14.016/10 ao art. 5º, XXXVI, mais precisamente à proteção que destina ao direito adquirido, eis que, dentre os dez mil afetados pela legislação paulista, encontram‐se precisos três mil setecentos e quarenta aposentados e pensionistas que tiveram seus benefícios concedidos antes mesmo de 1998, e outros três mil trezentos e dois aposentados e pensionistas que obtiveram acesso aos benefícios anteriormente à publicação da Lei paulista, ora impugnada.
Estes, que cumpriram com todos os requisitos exigidos pelo regime anteriormente em vigência, estabelecido pela Lei n. 10.393/70, do Estado de São Paulo, encontram‐se igualmente à situação acima narrada, ensejadora da contrariedade ao art. 194 e 201, da Constituição Federal.
Segundo preceituam o art. 17, VII, da Lei n. 14.016/10, e a redação por esta atribuída ao art. 51 da Lei n. 10.393/70, ambas do Estado de São Paulo, uma vez constatada a insuficiência de fundos para caucionar os benefícios assegurados, restarão suspensos os reajustes, mesmo aqueles aprovados, dos benefícios já concedidos. É dizer, o aposentado ou seu pensionista poderá sofrer defasagem no valor de compra de seus benefícios, situação esta não condizente com o regime previdenciário com o qual cumpriu.
Afinal, segundo preceituam os artigos 40, §8º, e 201, §4º, da Constituição Federal, o regime de previdência social assegura o reajustamento dos benefícios, com vistas a lhes preservar o valor real:
“Art. 40. (…)
18 André Ramos Tavares, Parecer, §195.
“§8º. É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservarlhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios;
“Art. 201. (…)
“§4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservarlhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei”.
Ora, ainda que o Estado de São Paulo vise a desconsiderar a natureza previdenciária dos benefícios assegurados aos serventuários, escreventes e auxiliares das serventias não oficializadas da justiça do Estado, não há como rejeitar esta natureza para aqueles que, tendo cumprido com todos os requisitos exigidos, já usufruem das vantagens previdenciárias anteriormente garantidas pela Lei n. 10.393/70. Assim sendo, não pode o Estado de São Paulo pretender, dado o dantesco regime financeiro de capitalização que pretende implementar, negar ao já aposentado ou a seu pensionista o usufruto de vantagem imanente ao regime previdenciário, qual seja, o direito ao reajustamento.
Portanto, a Lei n. 14.016/10, ao rejeitar o reajustamento aos já aposentados ou seus pensionistas, incide igualmente em contrariedade ao direito adquirido, plasmado no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
IV. DO PEDIDO CAUTELAR: DE SUA URGÊNCIA NO CASO PRESENTE
A Constituição de 1988 atribui ao STF a competência expressa e irrecusável para julgar o pedido de cautelar em ações diretas de inconstitucionalidade (art. 102, I, p), cujo procedimento encontra‐se arrolado na Lei n. 9.868/99, mais precisamente em seu art. 10:
“Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.
“§ 1o O relator, julgando indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, no prazo de três dias.
“§ 2o No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato, na forma estabelecida no Regimento do Tribunal.
“§ 3o Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.”
Dois são os requisitos exigidos para a concessão da cautelar, a saber, (a) a presença da plausibilidade da tese jurídica – fumus boni iuris e (b) a
possibilidade de prejuízo à ordem jurídica, caso não haja a concessão da cautelar (periculum in mora).
Ambos encontram-se presentes na situação que ensejou a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.
A fumaça do bom direito já foi acima explicitada, bem como, detidamente, no parecer elaborado pelo Prof. André Ramos Tavares, posto que
decorre de análise exclusivamente jurídica nos termos apresentados anteriormente.
Quanto ao perigo da demora, tem-se, primeiramente, que a Lei n. 14.016 foi publicada em 12 de abril de 2010, não tendo transcorrido longo lapso
temporal entre esta e a propositura da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, mora esta que seria capaz de deslegitimar a urgência que norteia a concessão da cautelar.
Em relação aos fatos que sustentam o perigo da demora, repise‐se, decorrem propriamente da hipótese acima narrada. Conforme apresentou-se, há a possibilidade de os destinatários da Lei estadual n. 14.016/10, os dez mil serventuários, escreventes e auxiliares das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, aposentados – ou seus pensionistas – e em atividade, então tutelados pela Carteira Previdenciária das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, restarem prejudicados pela suspensão do reajustamento dos benefícios já concedidos ou, principalmente, pela suspensão da própria concessão dos benefícios para os quais contribuíram, em razão da insuficiência de fundos para sustentá-los.
Em outras palavras, a Lei n. 14.016/10 claramente propicia situação vexatória à cidadania, de verdadeira desproteção previdenciária a dez mil serventuários, escreventes e auxiliares das serventias extrajudiciais, tendo em vista a cristalina obrigação imposta ao Superintendente do IPESP – nomeado pelo Governador do Estado ‐, de suspender a aplicação de reajustes a benefícios já concedidos aos aposentados ou seus pensionistas, e principalmente de suspender a concessão de benefícios àqueles que forem se aposentar, uma vez cumpridos os requisitos legalmente exigidos19, caso reste demonstrada a insuficiência de recursos para caucionar os benefícios legalmente previstos e assegurados.
Sublinhe-se aqui que este perigo não é meramente uma hipótese ad terrorem, que se vale de retórica hiperbólica. Infelizmente, a possibilidade de ocorrer a suspensão referida é, além de factível, iminente, conforme se demonstrará a seguir.
Segundo narrado, o principal e inconstitucional propósito da Lei paulista n. 14.016/10 é desonerar o Estado de São Paulo de parcela de suas obrigações previdenciárias. Esta é a inteligência do art. 3º da Lei em comento:
“Art. 3º – É vedada a inclusão na lei orçamentária anual, bem como em suas alterações, de qualquer recurso do Estado para pagamento de benefícios e pensões de responsabilidade da Carteira das Serventias.
“§1º – Em nenhuma hipótese o Estado, incluindo as entidades da administração indireta, responde, direta ou indiretamente, pelo pagamento dos benefícios já concedidos ou que venham a ser concedidos no âmbito da Carteira das Serventias, tampouco por qualquer indenização a seus participantes ou por insuficiência patrimonial passada, presente ou futura.
“§3º – Os precatórios judiciais relativos à Carteira das Serventias pendentes na data da publicação desta lei, ou que venham a ser expedidos, serão pagos com recursos da Carteira” (ênfase acrescentada).
Assim sendo, tem‐se que os recursos da Carteira das Serventias serão compostos: (i) pelo ativo financeiro compreendido pela sua antecessora, a Carteira das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado; (ii) pelas contribuições dos participantes, dos titulares de serventias e participantes inativos e pensionistas e; (iii) por percentual dos emolumentos que se destinam à remuneração do serviço notarial e de registros20.
Contudo, estes recursos, nos termos do art. 3º da Lei n. 14.016/10, não se destinam, única e exclusivamente, ao custeio dos benefícios previstos em
lei. Pelo contrário, destinam‐se a custear qualquer indenização devida aos seus participantes, bem como com os passivos decorrentes de insuficiência patrimonial passada e presente (cf. art. 3º, §1º).
Para além deste ônus, a Carteira das Serventias se responsabilizará, igualmente, pelos precatórios judiciais pendentes na data de publicação da Lei em comento.
Esta sucessão de hipóteses que tolhem o potencial de custeio dos benefícios previstos pela Carteira das Serventias não se encerra por aqui. Ademais da sua responsabilização por atos passados, ocorridos sob a gerência do antigo Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – IPESP, a Carteira das Serventias deverá caucionar o próprio funcionamento do ora Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo – IPESP (SIC), nos termos do art. 12, I, e 18, §1º e §3º, da Lei n. 14.016/10:
“Art. 12 – Constituirão receita própria do IPESP para custear as despesas administrativas das Carteiras das Serventias e dos Advogados, em contabilidade própria e específica para cada uma delas:
“I – até 2 (dois) pontos percentuais destacados das contribuições previstas no inciso I do art. 45 da Lei n. 10.393, de 16 de dezembro de 1970, com a redação dada pelo inciso XXVIII do artigo 5º desta lei; (…)
“Art. 18 – Fica criado o Quadro de Pessoal do Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo – IPESP, composto de Subquadro de Empregos Públicos em Confiança (SQEP-C).
“§ 1º – Ficam criados no Subquadro de Empregos Públicos em Confiança (SQEP-C) do IPESP, enquadrados na Tabela I da Escala de Vencimentos – Comissão, a que se referem o inciso IV do artigo 12 e o artigo 13 da Lei Complementar nº 1.080, de 17 de dezembro de 2008, os seguintes empregos públicos em confiança:
1 – 1 (um) de Superintendente;
2 – 1 (um) de Chefe de Gabinete de Autarquia, referência 17;
3 – 2 (dois) de Diretor Técnico III, referência 14;
4 – 9 (nove) de Assistente Técnico VI, referência 13;
5 – 8 (oito) de Assistente Técnico I, referência 4;
6 – 12 (doze) de Assistente I, referência 1.
“§ 3º – A Carteira das Serventias e a Carteira dos Advogados responderão pelas despesas correspondentes aos empregos públicos de que trata o § 1º deste artigo, na seguinte conformidade:
1 – integralmente, em relação aos servidores empenhados de forma exclusiva nas atividades das Carteiras;
2 – com 1/3 (um terço) cada uma, no máximo, em relação aos demais servidores das atividades de suporte das carteiras.” (ênfase acrescentada).
Não é por outra razão que o Prof. André Ramos Tavares, com muita propriedade, afirma que: “a Lei n. 14.016/10 propiciou ao Estado paulista uma situação invejável: atribuiu‐lhe todas as benesses, sem os riscos correspondentes. Embora seja e tenha sido o principal responsável pela gestão da Carteira, não será o Estado o responsável pelo seu fracasso e ônus decorrentes. A cruz recairá sobre os ombros do segurado ou, nos termos da nova Lei paulista, do participante.”21.
Portanto, tendo em vista todos os encargos que recaem sobre os recursos destinados ao custeio dos benefícios previdenciários – ora esdruxulamente alcunhados como benefícios de renda continuada – é que resta demonstrada a plausibilidade fática da ocorrência de iminente insuficiência de fundos e, portanto, da suspensão dos benefícios por tais recursos caucionados, com a gravidade da destinação das verbas existentes para cobrir outras e diversas responsabilidades.
O perigo da demora encontra-se claramente demonstrado, de forma que não há como se opor, racional e constitucionalmente, ao deferimento da Medida Cautelar. Complementarmente, porém, ressalta-se que a imperiosidade da cautelar igualmente se justifica pelo fato de o Governo do Estado de São Paulo não ter em mãos informações precisas e seguras, atestadas por auditoria independente, quanto ao equilíbrio atuarial da Carteira das Serventias perante os benefícios concedidos e previstos. Esta ausência de dados encontra‐se, inclusive, explicitada, vejam só, em texto legal. O art. 13 da Lei n. 14.016/10 determina que:
“Art. 13. O IPESP deverá contratar empresa de auditoria independente, mediante consulta ao conselho de que trata o artigo 63 da Lei nº 10.393, de 16 de dezembro de 1970, com a redação dada pelo inciso XXXVII do artigo 5º desta lei, para verificar se os benefícios concedidos pela Carteira das Serventias estão regularmente adequados aos termos desta lei.
“Parágrafo único – A primeira auditoria independente a ser realizada após a data da publicação desta lei abrangerá também os benefícios concedidos até a mesma data, cuja regularidade será verificada em face da legislação aplicável, inclusive as disposições desta lei, no que couber.”
Ressalte-se, neste ponto, que o deferimento da cautelar, suspendendo a vigência da Lei n. 14.016/10, propiciará a oportunidade adequada para verificar a saúde financeira da Carteira das Serventias, face os benefícios concedidos e a serem concedidos, sem que seja negado aos seus beneficiários o “mínimo de sua cidadania (o direito a ter direitos em sua acepção mais básica e fundamental à existência humana, que é o amparo nas situações de dificuldade e dependência em virtude da idade)”22.
IV.1. A excepcional urgência A situação ora descrita, cumpre destacar, não avoca apenas a concessão de cautelar, mas igualmente, a sua concessão em regime de urgência, sem que haja a oitiva dos órgãos ou autoridades envolvidas na elaboração da Lei paulista n. 14.016/10. Ou seja, demanda inclusive a concessão inaudita altera pars, conforme bem autoriza o dispositivo específico do art. 10, da Lei federal n. 9.868/99:
“§ 3o Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.”
Nesse sentido, solicita‐se aqui a invocação pela e. Corte, do art. 21, V, do Regimento Interno do STF (bem como do art. 170, § 1o e § 2o, do RISTF), o qual autoriza ao relator da contenda, inclusive quanto à cautelar em ADI, concedê-la imediatamente, em caso de urgência, condicionando‐a ao posterior e imediato referendo pelo Plenário. Portanto, percebe‐se que a situação fática ora narrada está a exigir, inclusive, a concessão ad referendum da medida cautelar pelo Relator.23
IV.2. Do procedimento sumário As gravíssimas implicações para os cerca de dez mil destinatários da Lei n. 14.016/10, ademais de exigirem a sua suspensão imediata, por meio de cautelar, a ser concedida ad referendum, pelo relator da contenda, demandam, ainda, a adoção de um processo sumário para a análise e para a produção de uma decisão final quanto a esta ADI.
É dizer, as repercussões do novel e inconstitucional regime financeiro de capitalização, estabelecido pelo Estado de São Paulo em substituição ao
regime previdenciário que anteriormente protegia os destinatários da Carteira das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, afetam importante direito social e universo considerável de pessoas, sendo capaz, portanto, de turbar a ordem social.
Conclama-se, assim, a aplicação do regime procedimental do art. 12, da Lei n. 9.868/99, o qual permite que:
“Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação”
Em síntese, o procedimento sumário constante do preceptivo legal em questão reduz o prazo previamente estabelecido de 30 dias, a partir do
recebimento do pedido, para as autoridades responsáveis pelo ato questionado em ADI prestarem as devidas informações (art. 6º, parágrafo único da Lei n. 9.868/99) para 10 dias.
Reduz-se igualmente o prazo concedido para o Advogado-Geral da União e para o Procurador-Geral da República que é, usualmente, de 15 dias (art. 8º, caput, da Lei n. 9.868/99) para 5 dias.
Não há dúvida de que se encontram fundamentos suficientes para classificar o objeto desta ADI como merecedor do procedimento sumário, tendo em vista o especial significado da questão em apreço para a ordem social e para a segurança jurídica.
V. DA NATUREZA DA LEI N. 14.016/10 E O CABIMENTO DE ADI
Leis estaduais, como a presente, configuram‐se, por força constitucional, como atos normativos sujeitos ao controle de constitucionalidade perpetrado em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, tendo em vista eventual desrespeito direto à Constituição Federal. Esta é a inteligência aferível do art. 102, I, a, da Constituição Federal.
Não haveria, assim, como questionar a impugnação da Lei n. 14.016/10, do Estado de São Paulo, perante o STF, em razão de afronta a dispositivos da Constituição do Brasil. Esta conclusão óbvia merece, contudo, ter a sua veracidade reiterada dada a eventual possibilidade de referida Lei ser compreendida como lei meramente em sentido formal ou, como costuma querer a doutrina, como lei de efeitos concretos. Justificase: como o número de destinatários é reduzido e específico (aferível em concreto), bem como sua vigência encontra termo final (extinção da Carteira das Serventias, quando do falecimento de seu último participante), poder‐se‐ia alegar que a Lei paulista seria, propriamente, lei de efeitos concretos, alheia, portanto, ao controle concentrado mobilizado por Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Ainda que tal argumentação fosse verossímil – e não o é, nada obstaria a sindicabilidade da Lei paulista por ADI, dada a mudança jurisprudencial promovida pelo pleno STF, quando do julgamento da ADI‐MC n. 4.048‐1/DF. A Egrégia Corte Constitucional, neste julgado, fixou o entendimento segundo o qual “[o] Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto”24. É o que está a ocorrer aqui. A inconstitucionalidade reporta‐se a uma lei estadual e todas suas premissas (formais e materiais) são aferidas, aqui, independentemente do universo de sujeitos abrangidos pela referida Lei.
I. DOS PEDIDOS
Em face do que foi aqui exposto, solicita‐se:
1. Concessão de Medida Cautelar, em sede liminar, inaudita altera pars, a fim de que se suspenda IMEDIATAMENTE a Lei n. 14.016/10, do Estado de São Paulo, evitando‐se, assim, que a cidadania reste desrespeitada em seus elementos mínimos, por desconstituir uma proteção previdenciária até então existente, em razão da ausência de fundos ou desequilíbrio atuarial da Carteira das Serventias;
2. Aplicação do regime de urgência constante do art. 12, da Lei n. 9.868/99;
3. Realização de auditoria independente para verificar o equilíbrio atuarial da Carteira das Serventias, com vistas a eventualmente reparar a situação atual, que demanda a concessão da cautelar;
4. Intimação do Chefe do Executivo Estadual, na pessoa do Exmo. Sr. Governador do Estado, para que preste suas informações, nos moldes do art. 6º, Lei n. 9.868/99;
5. Oitiva do Advogado‐Geral da União e do Procurador‐Geral da República no prazo do rito sumário;
6. Procedência da ADI, declarando a inconstitucionalidade e a conseqüente retirada do ordenamento jurídico da Lei n. 14.016/10, e a sujeição da Carteira das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, ao regime próprio de previdência social, gerenciado pelo SPPREV, nos termos do art. 2º, I, da Lei Complementar n. 1.010/07, do Estado de São Paulo.
Pede deferimento,

Brasília‐DF, 24 de maio de 2010.
ANDRÉ BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
OAB/DF 29.498